domingo, 16 de outubro de 2011

ACROBATAS DE DEUS

Eu sou uma bailarina. Eu acredito que nós aprendemos através da prática. Seja aprender a dançar praticando dança ou aprender a viver praticando a vida, os princípios são os mesmos. Em cada um é o exercício de um dedicado e preciso conjunto de atos, físicos ou intelectuais, de onde vem a forma da realização, o sentido de nosso ser, uma satisfação do espírito. Nos tornamos em alguma área um atleta de Deus.
Prática significa apresentar-se sempre e sempre encarando todos os obstáculos, um tipo de ato de visão, fé e desejo. A prática é o meio de atrair a perfeição desejada.
Eu acho que a razão pela qual a dança tem assegurado esta magia perene para o mundo é porque ela tem sido o símbolo da performance da vida. Muitas vezes eu escuto a frase...”a dança da vida.” É próximo para mim por uma razão muito simples e compreensível. O instrumento pelo qual a dança fala é também o instrumento a vida é vivida... o corpo humano. É o instrumento pelo qual todas as existências primárias se manifestam. Tem em sua memória todas as questões da vida, da morte e do amor. Dançar parece glamouroso, fácil e encantador. Mas o caminho para o paraíso desta realização não é mais fácil do que nenhuma outra. Existe fadiga tão grande que o corpo chora, mesmo no seu sono. Existem tempos de completa frustação, existem pequenas mortes diárias. Então, eu preciso de todo o conforto que a prática armazenou na minha memória e tenacidade de fé. Mas tem que ser o tipo de fé que Abrão teve quando “não vacilou diante da promessa de Deus por descrença.”
Leva-se mais ou menos dez anos para se fazer um bailarino maduro. O treinamento tem dois aspectos. Existe o estudo e a prática para fortalecer a estrutura muscular do corpo. O corpo é moldado, disciplinado, honrado, e, no tempo certo, merece confiança. O movimento nunca mente. É um barômetro falando sobre as condições da alma para todos os que podem lê-lo. Esta pode ser chamada de lei da vida do bailarino a lei que governa seus aspectos externos.
Do outro lado tem o cultivo do ser. É através desta prática que lendas das jornadas da alma são contadas com toda sua comédia e tragédia, amargura e doçura de viver. É neste ponto que o impulso da vida alcança a mera personalidade de executor e enquanto o indivíduo, o indiviso, torna-se maior, o pessoal se torna menos pessoal. E aí existe a graça. Eu digo, a graça que resulta da fé...fé na vida, no amor, nas pessoas, no ato de dançar. Tudo isto é necessário para qualquer atividade na vida que é magnética, poderosa, rica em significado.
Em um bailarino, existe a reverência por coisas esquecidas como o milagre dos pequenos, bonitos ossos e sua delicada força. Em um pensador existe a reverência à beleza da mente alerta direcionada e lúcida. Em todos nós que nos apresentamos em um palco, existe uma consciência do sorriso, é parte do equipamento ou dom do acrobata. Todos caminhamos na corda bamba das circunstâncias de vez em quando. Reconhecemos a gravidade da terra e ele também, o sorriso está lá porque está praticando viver naquele instante de perigo. Ele não escolhe cair.
...Martha Graham